O tema é alvo de críticas da Aprece, que alega "prejuízos históricos" a municípios do Ceará por conta de má distribuição.
O Senado deverá instalar, neste ano, uma comissão especial para retomar a discussão sobre o pacto federativo. A ideia é estabelecer um novo acordo sobre as obrigações e os recursos destinados a União, estados e municípios para garantir os direitos básicos da população. Enquanto a Associação dos Municípios do Estado do Ceará (Aprece) reclama de prejuízos históricos por conta de um pacto "injusto", não há consenso entre os parlamentares cearenses de que o ano eleitoral seja o momento adequado para discutir o tema.
A proposta de um novo pacto federativo é uma questão polêmica porque envolve diretamente poderes políticos e econômicos dos entes da Federação. Dentre os principais pontos que deverão ser abordados, estão a descentralização da arrecadação tributária, a distribuição equânime dos recursos federais entre estados e municípios e as atribuições de cada ente.
A presidente da Aprece, Eliene Brasileiro, aponta que o principal ponto do pacto federativo que precisa ser revisto é a distribuição tributária. Isso porque, atualmente, 60% da arrecadação fica com a União, 25% com os estados e apenas 15% com os municípios. "O que a gente vê é que tem se municipalizado muito as ações e os programas porque a população está mais próxima do poder municipal, mas não há um acompanhamento dos recursos", justifica.
Nesse sentido, ela diz considerar o atual pacto federativo "injusto" e defende a necessidade de uma reflexão no Congresso sobre a responsabilidade de cada ente e também sobre os recursos disponíveis a fim de alcançar um equilíbrio que garanta maior eficácia aos serviços públicos ofertados à população.
Prejudicados
Eliene argumenta que os municípios têm sido os mais prejudicados porque tiveram suas atribuições multiplicadas com a descentralização das ações, o que considera positivo, mas os recursos continuam centralizados no Governo Federal. "O problema é que só vem a responsabilidade", reclama, acrescentando que isso tem prejudicado a execução de várias iniciativas.
"Um grande exemplo é o Programa Saúde da Família (PSF), que o município executa, mas não recebe os recursos suficientes para custear. Hoje, a gente investe em uma equipe do PSF de R$ 23 mil a R$ 28 mil por mês e só recebemos R$ 9 mil da União pra isso. Nossa expectativa é de que, se a União ficar com menos, poderá amenizar nossos prejuízos", argumenta Eliene.
A presidente da Aprece diz esperar que o tema ganhe espaço no Congresso neste ano, integrado ao debate sobre a redistribuição dos royalties do pré-sal e a reforma tributária. Por outro lado, parlamentares cearenses divergem sobre a possibilidade de avanço no debate.
O senador Eunício Oliveira (PMDB) admite as dificuldades para tratar o assunto diante dos interesses regionais, mas acredita que a proximidade da eleição colocará o tema em pauta. Já o deputado Raimundo Gomes de Matos (PSDB) acredita que este ano será "mais curto" por conta do pleito, o que deve restringir o espaço do pacto federativo na pauta da Câmara Federal.
Obrigação
As articulações sobre o assunto começam a ganhar forma no Senado, onde deverá ser criada uma comissão especial de especialistas para formatar um anteprojeto ainda neste ano. O senador Eunício defende que, ao invés de se criar uma comissão externa, o Senado deveria reunir as comissões da Casa relacionadas ao assunto em busca de um entendimento e, como foi feito no debate sobre o Código Florestal, indicar dois relatores e realizar audiências públicas.
"Com todo respeito aos juristas e intelectuais, mas acredito que essa obrigação é nossa. Os especialistas são importantes para a informação, mas não têm o poder de aprovar e de legislar. A discussão deve ser feita pelos parlamentares. É um tema difícil, e daí? Estamos aqui para discutir o que aflige a sociedade. Nosso papel é esse", justifica o senador.
Ele acredita que, como se trata de ano eleitoral, a cobrança da população sobre os municípios deverá ser ampliada, o que pode intensificar o debate sobre o novo pacto federativo. "Os municípios cearenses vivem com pires na mão pedindo ao poder central o que deveria ter sido disponibilizado a eles através de uma distribuição justa do bolo tributário", declara.
Conforme Eunício, não há como corrigir as desigualdades regionais sem discutir o reequilíbrio das forças do ponto de vista da economia nacional. Nesse sentido, ele aponta que deve ser prioridade a descentralização de recursos da União, a arrecadação, a redistribuição dos royalties e a reforma tributária.
Favorecimento
Já o deputado Raimundo Gomes de Matos acredita que o ano eleitoral não é o momento mais adequado para discutir o novo pacto federativo. Ele diz que retomar o debate é positivo, mas não acha que haverá espaço suficiente neste ano legislativo para avançar sobre o tema, acrescentando que outro impasse se refere ao favorecimento da União no atual pacto federativo.
O parlamentar lembra que a falta de maior autonomia de estados e prefeituras em relação aos gastos públicos é um problema histórico que envolve não só o Ceará, mas os demais estados. "Quando o Governo Federal exonera determinados impostos, eles fazem parte do bolo de estados e municípios. Então a União toma atitudes sem fazer a compensação, obrigando município e estado a alocar o seu recurso. Isso causa transtorno", explica.
Gomes de Matos diz que o aumento das obrigações de alguns entes tem agravado a quebra sistemática do pacto federativo. "A instabilidade do pacto acaba influenciando as ações de saúde, segurança e outros serviços prestados à população", atenta.
BEATRIZ JUCÁ
REPÓRTER